quarta-feira, 2 de julho de 2008

No país do BBB

"Eu já nem sei o que mata mais
Se o trânsito, a fome ou a guerra
Se chega alguém querendo consertar vem logo a ordem de cima
Pega esse idiota e enterra
Todo mundo querendo descobrir seu ovo de Colombo
Isso tudo acontecendo e eu aqui na praçadando milho aos pombos”

A agência de classificação de risco Fitch Ratings anunciou nesta quinta-feira que elevou o chamado "investment grade" do Brasil à condição de país considerado seguro para investir. A dívida em moeda estrangeira de longo prazo passou da nota BB+ para BBB-. Isso significa que a partir de agora o Brasil passa a ser considerado bom pagador de suas dívidas e confiável para receber investimentos externos.

Enquanto isso, no país do “BBB”, cortadores de cana são demitidos na região noroeste do Paraná, por reivindicarem melhores condições de trabalho. Os trabalhadores reclamam do preço pago pelo metro da cana cortada: R$ 0,08 (oito centavos de real), o que equivale a uma diária de apenas R$ 8,00 (oito reais). De acordo com agentes da CPT (Comissão Pastoral da Terra) do Paraná, após a demissão, a empresa USACIGA - Açucar, Álcool e Energia Elétrica S/A, localizada no município de Cidade Gaúcha, passou a intimidar os trabalhadores, não honrando os acordos estabelecidos no momento da contratação da mão de obra. E ainda assim Brasil é considerado “bom pagador de suas dívidas”...

Segundo dados do Censo Agropecuário, no Brasil, nos últimos dezessete anos, a área plantada de arroz encolheu 25%. O feijão, em quinze anos, teve seu plantio diminuído em 12% de sua área. Enquanto isso, a área ocupada pelo plantio de soja aumentou mais de 80%, entre 1990 e 2007. A cana saltou de 4.273.000 para 6.557.000 hectares e a pecuária continua com os seus 172 milhões de hectares em todo o país. Nesse cenário, o Presidente da República, com ar ufanista, garante, "o povo passou a comer mais". Ocorre que o povo não come soja nem cana-de-açúcar e o feijão e o arroz estão ficando mais caros. Mas mesmo assim o Brasil é tido como “confiável para receber investimentos externos”.

Realmente, em terra de BBB-, há espaço para tudo: menos para a lógica. De acordo com o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), professor Márcio Pochmann, "não há uma coordenação perfeita dentro do governo Lula”. Sobre a decisão do COPOM de aumentar a taxa de juros Selic – atualmente em 11,75% ao ano, a maior do planeta -, Pochmann disparou: “Essa decisão é um claro sinal de que não existe convergência no governo. O Banco Central opera em um sentido, e o Ministério da Fazenda, em outro. Ela expressa a ausência de uma maioria política que diga: o nosso projeto é o de crescimento".

Segundo Pochmann, esse aumento "vai ter impacto nas pessoas ou empresas que tomam crédito e na dívida pública”, mas, em contrapartida, e aqui está a chave do enigma, pode também atrair mais recursos estrangeiros especulativos ao país. “Teremos uma taxa de câmbio ainda mais valorizada, com maior dificuldade para a exportação e maior estímulo à importação, além da substituição de produtos nacionais por importados." Ou seja, “quem tem dinheiro para aplicar acaba sempre preferindo a liquidez".

Está explicando, então. De fato, há lógica na decisão da agência Fitch. Somos, de fato, um país extramente confiável e bom pagador, aos olhos deles. Como afirma Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical, “o governo Lula não está disposto a enfrentar a ditadura do capital financeiro”. Na verdade, Lula está deslumbrado, convicto de que “o país vive um momento mágico".

Pois bem. E nós, os “inquietos” - para utilizar uma expressão cunhada por Padre Francisco Almeida -, como reagiremos?

A exemplo do nosso amigo articulista, acredito que “perder o medo, aprender a nadar, transformar os pesadelos em sonhos e os sonhos em esperança, e esta, em motivação forte que não permita voltar atrás por mais que o futuro seja incerto como sempre” é a solução possível para um país contraditório como o nosso. Acreditar é preciso. Apesar de tipos como Mangabeira Unger. Do contrário, o que nos resta? Cantar, talvez, como o compositor Zé Geraldo:

“Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça...”

Mas calma, inquietos! Resta-nos ainda o VOTO.

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