quarta-feira, 2 de julho de 2008

No país do BBB

"Eu já nem sei o que mata mais
Se o trânsito, a fome ou a guerra
Se chega alguém querendo consertar vem logo a ordem de cima
Pega esse idiota e enterra
Todo mundo querendo descobrir seu ovo de Colombo
Isso tudo acontecendo e eu aqui na praçadando milho aos pombos”

A agência de classificação de risco Fitch Ratings anunciou nesta quinta-feira que elevou o chamado "investment grade" do Brasil à condição de país considerado seguro para investir. A dívida em moeda estrangeira de longo prazo passou da nota BB+ para BBB-. Isso significa que a partir de agora o Brasil passa a ser considerado bom pagador de suas dívidas e confiável para receber investimentos externos.

Enquanto isso, no país do “BBB”, cortadores de cana são demitidos na região noroeste do Paraná, por reivindicarem melhores condições de trabalho. Os trabalhadores reclamam do preço pago pelo metro da cana cortada: R$ 0,08 (oito centavos de real), o que equivale a uma diária de apenas R$ 8,00 (oito reais). De acordo com agentes da CPT (Comissão Pastoral da Terra) do Paraná, após a demissão, a empresa USACIGA - Açucar, Álcool e Energia Elétrica S/A, localizada no município de Cidade Gaúcha, passou a intimidar os trabalhadores, não honrando os acordos estabelecidos no momento da contratação da mão de obra. E ainda assim Brasil é considerado “bom pagador de suas dívidas”...

Segundo dados do Censo Agropecuário, no Brasil, nos últimos dezessete anos, a área plantada de arroz encolheu 25%. O feijão, em quinze anos, teve seu plantio diminuído em 12% de sua área. Enquanto isso, a área ocupada pelo plantio de soja aumentou mais de 80%, entre 1990 e 2007. A cana saltou de 4.273.000 para 6.557.000 hectares e a pecuária continua com os seus 172 milhões de hectares em todo o país. Nesse cenário, o Presidente da República, com ar ufanista, garante, "o povo passou a comer mais". Ocorre que o povo não come soja nem cana-de-açúcar e o feijão e o arroz estão ficando mais caros. Mas mesmo assim o Brasil é tido como “confiável para receber investimentos externos”.

Realmente, em terra de BBB-, há espaço para tudo: menos para a lógica. De acordo com o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), professor Márcio Pochmann, "não há uma coordenação perfeita dentro do governo Lula”. Sobre a decisão do COPOM de aumentar a taxa de juros Selic – atualmente em 11,75% ao ano, a maior do planeta -, Pochmann disparou: “Essa decisão é um claro sinal de que não existe convergência no governo. O Banco Central opera em um sentido, e o Ministério da Fazenda, em outro. Ela expressa a ausência de uma maioria política que diga: o nosso projeto é o de crescimento".

Segundo Pochmann, esse aumento "vai ter impacto nas pessoas ou empresas que tomam crédito e na dívida pública”, mas, em contrapartida, e aqui está a chave do enigma, pode também atrair mais recursos estrangeiros especulativos ao país. “Teremos uma taxa de câmbio ainda mais valorizada, com maior dificuldade para a exportação e maior estímulo à importação, além da substituição de produtos nacionais por importados." Ou seja, “quem tem dinheiro para aplicar acaba sempre preferindo a liquidez".

Está explicando, então. De fato, há lógica na decisão da agência Fitch. Somos, de fato, um país extramente confiável e bom pagador, aos olhos deles. Como afirma Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical, “o governo Lula não está disposto a enfrentar a ditadura do capital financeiro”. Na verdade, Lula está deslumbrado, convicto de que “o país vive um momento mágico".

Pois bem. E nós, os “inquietos” - para utilizar uma expressão cunhada por Padre Francisco Almeida -, como reagiremos?

A exemplo do nosso amigo articulista, acredito que “perder o medo, aprender a nadar, transformar os pesadelos em sonhos e os sonhos em esperança, e esta, em motivação forte que não permita voltar atrás por mais que o futuro seja incerto como sempre” é a solução possível para um país contraditório como o nosso. Acreditar é preciso. Apesar de tipos como Mangabeira Unger. Do contrário, o que nos resta? Cantar, talvez, como o compositor Zé Geraldo:

“Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça...”

Mas calma, inquietos! Resta-nos ainda o VOTO.

Veredas de Pedro

Confira entrevista de Laura Greenhalgh, editora-executiva do jornal O Estado de S.Paulo, com o o 'bispo do Araguaia', dom Pere Maria Casaldáliga i Pla, ou simplesmente Pedro, como quer ser chamado. Na entrevista, a história da pastoral que desafiou militares e o Vaticano.

“- Veio falar de padre ou de índio? - Dos dois. - Então veio falar com dom Pedro. Mora ali, ó…

A pergunta, vinda de um freguês da lotação que transporta passageiros do pequeno aeroporto de São Félix do Araguaia até a avenida beira-rio, bate de sopetão, meio ríspida, como quem diz ‘dona, cê não é daqui’. A resposta curta, proteção de quem mal desembarcara, leva o matuto a meticulosidades: jornalista no pedaço. Juntar padre e índio, quem mais? É com ele. Padre, índio, freira, político, posseiro, grileiro, missionário, antropólogo, ambientalista, jornalista…Pra juntar tudo isso nesse fim de mundo, só ele. Mora ali, ó…

A casa do Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, o catalão Pere Maria Casaldáliga i Pla, ou Pedro, como quer ser chamado, nem remotamente lembra um palácio episcopal. Tem portas e janelas abertas para a rua. Tem paredes sem reboco, combinando com a rusticidade dos móveis, e um capricho feito de detalhes muito simples na arrumação da casa. Tem uma capelinha, também aberta, no terreno ao fundo. Entre a porta da rua e a capelinha, como fosse um ponto médio entre dois pontos cardeais, fica a mesa onde Pedro Casaldáliga despacha.

Se a casa não lembra palácio, a mesa também não lembra gabinete de trabalho. É desta mesa que se ouve, com sotaque catalão inconfundível, um ‘bem-vinda à nossa Prelazia’. Para os não-iniciados, a Prelazia de São Félix do Araguaia fica na porção amazônica do Mato Grosso, abrangendo 15 municípios numa área de 150 mil km2. Trata-se de uma circunscrição eclesiástica instituída pelo Vaticano no início dos anos 70, como acontece por esse Brasil afora desde a época dos jesuítas.

Porém, esta é uma prelazia que fez história. E dom Pedro, a figura central de um enredo marcado por enfrentamentos em distintos andares do poder - o social, o militar, o econômico, o eclesiástico.

A história da Prelazia e a vida do religioso da ordem dos claretianos são elementos imbricados. E foi justamente esta espessa teia de relações que levou o comitê do Prêmio Nobel da Paz a direcionar, nos últimos meses, sucessivos pedidos de informação para gente que conhece e estuda Pedro Casaldáliga. Como ele trafega o mundo dos sem-terra e o dos com-fazenda, estando sempre do lado dos primeiros? Como mantém a defesa dos índios e do meio ambiente, quando tudo joga contra? Como consegue ser cidadão do mundo vivendo há quase quatro décadas no fundão do Brasil? Como? Como? O comitê norueguês no Nobel da Paz foi encontrando as respostas, tanto que, dentre as 192 candidaturas examinadas este ano, a do bispo freqüentou a diminuta lista de finalistas. Era um dos prováveis ganhadores, como o economista bengalês Muhammad Yunus, que acabou levando. Pedro, que já fora indicado ao prêmio por instituições estrangeiras em pelo menos duas ocasiões - em 1992 e 2002 -, nem sabia que estava cotado em 2006.

Você veio me entrevistar e eu quero falar do arquivo. Não quero falar do latifúndio. É importante sempre voltar nesse ponto, mas vamos falar do arquivo que formamos aqui ao longo desses anos.
Dizem que já é um dos grandes arquivos da Igreja no Brasil, não sei. Garanto que é a maior instituição cultural do Mato Grosso. Isso, sim. Contém todo o nosso trabalho missionário na Prelazia. Tem o mundo indígena, o mundo rural, o mundo da Centro-América, o mundo eclesial, minha correspondência. Está praticamente tudo digitalizado.

O Arquivo Casaldáliga, que Pedro insiste em chamar de Arquivo da Prelazia de São Félix, é obra grande. São cerca de 250 mil documentos, divididos em grandes setores. Há desde informes paroquiais a documentos de relevância histórica. Documentos que contam a áspera luta pela terra no Brasil, falam da repressão militar e de governos, revelam a marcação cerrada do Vaticano sobre um religioso que veio em missão evagelizadora para o Brasil e enveredou pela Teologia da Libertação. Há mais de 50 mil cartas, entre as enviadas a Pedro e as respondidas por ele.

Cartas de gente simples e de poderosos. Cartas públicas e de teor sigiloso à época. Não há cartas íntimas, nem confessionais.

E tem imagens, fitas, objetos, incluindo prêmios e títulos que o bispo acumulou e agora repassa ao arquivo. Acumular é um verbo que o incomoda. Mantém-se fiel ao lema ‘nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar’.

Em 2003, ao completar 75 anos, apresentou formalmente seu pedido de renúncia do cargo ao Papa, como reza o figurino. Porém, teve de esperar dois anos até que o pedido fosse acolhido e que se consumasse o processo de substituição. Pois, enquanto esperava, acelerou a organização do arquivo para doar cópias do acervo a instituições de diferentes localidades. Escaldado do fogo na palhoça, percebeu que a melhor maneira de perpetuar o acervo seria multiplicá-lo. Fora isso, tinha dúvidas sobre quem iria substituí-lo na Prelazia. Seria um bispo conservador e inculto? Seria insensível ao valor histórico da imensa papelada? Deu sorte: quem assumiu, há dois anos, foi dom Leonardo Ulrich Steiner, primo de dom Paulo Evaristo Arns, amigo de fé e batalhas do bispo catalão. Pedro diz que dom Leonardo é homem do diálogo, culto, sensível e organizado - como se queria.

A CNBB terá a documentação. A Universidade Católica de Minas Gerais também, assim como o Arquivo do Escorial, em Madrid, a Ordem dos Claretianos, em Roma, e o Arquivo Nacional da Catalunha. No ato de doação do arquivo, o secretário de Cultura do governo catalão, Ferran Mascarell, destacou: ‘A Catalunha ficou mais rica’. Pedro não compareceu à cerimônia, representado por dom Leonardo. Aos 78 anos e com mal de Parkinson, doença da qual fala às claras, já quase não sai da São Félix. ‘Houve quem me achasse desequilibrado. Agora posso justificar isso com minha saúde’, comenta, ironizando as mãos trêmulas. A cabeça funciona a mil. O humor vai bem, obrigado.O arquivo tem cara de Pedro e mãos de irmã Irene, religiosa da Congregação de São José que chegou a São Félix em 1971 e acabou por organizar a documentação que ia se avolumando em caixas. Para dar conta da missão, a religiosa fez curso de arquivista por correspondência. Formou colaboradores. E contou com voluntários, entre eles a ONG catalã Arquivistas Sem Fronteiras, cuja equipe passou meses em São Félix. Ainda que Pedro queira batizar o acervo com o nome coletivo, da prelazia, a documentação se organiza a partir da sua atuação pastoral e política.

Ora, se Aristóteles disse que todo homem é político por natureza, por que eu não posso ser? Sou um animal político. E um animal crente.

A documentação percorre seus 38 anos de vida no Brasil.

Ele chegou em 1968, em missão dos claretianos, num momento em que a ordem estava se adaptando às diretrizes do Concílio Vaticano II. Era preciso mandar religiosos para a região de Goiás e para o planalto boliviano. O catalão ofereceu-se para vir ao Brasil. Em 1970, criou-se a Prelazia e, no ano seguinte, Pedro foi sagrado bispo.

Ah, temos alguma documentação anterior a essa data, pois quando cheguei, assumi a ação missionária das Irmãzinhas de Jesus, ordem religiosa fundada por Charles de Foucauld. Que pioneiras! Temos os primeiros diários delas, escritos em francês, na aldeia dos tapirapés, nos anos 50. Agora, eu mesmo cheguei na ditadura, ano do AI-5. Fiz aqui um curso para missionários, decisivo. Nele aprendi o português, vi Morte e Vida Severina e li o livro sobre o Brasil que mais me tocou: Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. É um poema e um romance ao mesmo tempo. E a melhor síntese de sertão que já vi. Aquilo me colocou no Brasil. Eu, que vinha do outro lado do mundo, trazendo uma bagagem de livros.

Outro fato marcante dos primeiros tempos no Brasil: a morte do missionário João Bosco Penido Burnier, em 12 de outubro de 1976, ex-diretor do Colégio São Luís, em São Paulo. É o próprio Pedro quem conta, durante entrevista ao Aliás na quinta-feira passada, por coincidência, 12 de outubro de 2006:

São 30 anos da morte de João Bosco. Aconteceu assim. Eu passava pelo município de Ribeirão Cascalheira quando me trouxeram a notícia de que duas mulheres eram torturadas numa delegacia.

Fui para lá e João Bosco, que nos visitava, quis ir junto. Quatros soldados nos esperavam com xingamentos. Dois deles não me conheciam. Eu me apresentei, conversamos apenas três ou quatro minutos. João Bosco lhes disse: ‘Olha, vou passar por Cuiabá e terei de contar ao superior de vocês o que estão fazendo aqui, maltratando mulheres inocentes…’ Daí veio o soco no rosto, a coronhada na nuca e o tiro de bala dundum. João Bosco caiu. Havia na porta da cadeia uma caminhonete guiada por um garoto de 12 anos. Pedimos que nos levasse ao postinho de saúde da Prelazia. Dois policiais foram embora, outros dois diziam que o tiro fora só para assustar…No posto,havia dois médicos de São Paulo que estavam aqui como voluntários. Um deles me disse: ‘Pedro, é grave. A massa encefálica está aparecendo’.

Foram 12 horas de agonia consciente e lúcida. Como bom jesuíta, João Bosco invocou várias vezes o nome de Jesus. Eu lhe dei a unção dos doentes. Tentamos um carro melhor para ir a Goiânia. Disseram até que havia um teco-teco na fazenda Tamacavi, que depois foi do Silvio Santos, mas não deu certo. Saímos na caminhonete mesmo, pois havia rumores de que a polícia viria nos aniquilar. Na manhã seguinte fomos a Goiânia e lá ele veio a falecer, às 5 da tarde. O martírio de João Bosco me marcou muito, pois ele me substituiu na morte. O tiro era para mim.
Este crime se insere na longa seqüência de confrontos em que Pedro Casaldáliga se viu envolvido nas cercanias e lonjuras do rio Araguaia. Ameaças de morte continuam chegando. Provocações, idem. Recentemente a Prelazia se manifestou contra a absolvição de um pistoleiro cujo apelido faz jus à fama: Luiz Bang. Há um certo Calixto, ex-policial, pseudo-jornalista, tipo excêntrico que só veste roupas de camuflagem na selva, que escreve reportagens chamando Pedro Casaldáliga de ‘monstro’ e ‘bispo do mal’. Conflitos da terra não se resolvem, como a situação na fazenda Suyá-Missu. Em 1960, uma agropecuária passou a controlar a área, expulsando os índios xavantes. A fazenda mais tarde passaria para o grupo italiano Agip, que, em 1992, pressionado por ONGs, concordou em devolver 165 mil hectares para as tribos. Isso não aconteceu e, nos últimos anos, posseiros foram ocupando a área. Resultado: hoje brigam os índios, primeiros moradores do lugar, os posseiros, clientes de uma reforma agrária emperrada, e grupos econômicos com interesses na região.

Minha vida nada vale. O que tem valor são as causas que dão sentido à vida. Isso tudo era terra de ninguém. Do Xingu até a ilha do Bananal, da fronteira do Pará até Ribeirão Cascalheira, esta foi a área que recebemos para a Prelazia. Não havia nada onde hoje existem 15 municípios. Não havia escola, posto de saúde, comércio, nada. São Félix pertencia ao município de Barra do Garças, que fica a 700 Km daqui! Hoje, bem ou mal, temos uma infra-estrutura.

Chegamos num momento difícil, pois havia a guerrilha no Araguaia. De vez em quando, um avião da FAB rondava por aí. Nós, padres, ou éramos vistos como guerrilheiros ou braço eclesiástico-cultural da guerrilha. Daí a repressão que sofremos. Índios começaram a ser expulsos. Posseiros começaram a aparecer. Peões viviam como escravos do latifúndio. O primeiro baque, quando cheguei, foi sentir distâncias. Assim, no plural. Distância geográfica, distância cultural, distância do mundo que eu chamava de civilizado. O segundo foi sentir minha impotência.

Parte da documentação registra o difícil contato com a cúpula do Vaticano. São documentos com timbre da Santa Sé, revelando os limites de uma instituição organizada de forma monolítica para entender a ‘opção preferencial pelos pobres’.Guardam-se nessas pastas informações sobre as tentativas de expulsão do bispo do Brasil.

Foram pelo menos cinco, articuladas por setores ligados ao regime militar e à própria Igreja.

Numa delas, o papa Paulo VI reagiu: ‘Tocar em Pedro seria tocar em Paulo’. Como há o contato tenso com João Paulo II, desconstrutor do comunismo, que mais tarde chegaria a declarar que a Teologia de Libertação, na América Latina, ‘não é só moralmente aceitável como socialmente necessária’. E há, por fim, o embate com o cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI. O então chefe da Congregação para a Doutrina para Fé cobrou o compromisso de Pedro Casaldáliga com cânones e dogmas da igreja. Bateu forte na recusa do bispo de São Félix em cumprir as visitas ad limina ao Vaticano, idas periódicas nas quais deveria prestar contas do trabalho pastoral. Pedro considerava tais viagens caras e inócuas.

Interpelado pela Congregação, teve de comparecer. ‘Por que antes não rezamos um Pai Nosso juntos?’, teria sugerido a Ratzinger, quando o cardeal começou o interrogatório.

Como está a igreja na época de Bento XVI? Hoje temos que partir de uma clave mais larga. Já não podemos pensar a igreja fechada em si mesma. Temos de pensá-la com portas, janelas, vitrôs e até cúpulas abertas. A saída é: diálogo ecumênico, entre igrejas, e diálogo inter-religioso, entre todas as religiões. Poderá ser um lado bom da globalização. Ainda acredito que a mudança virá de baixo para cima. As comunidades eclesiais de base (CEBs) estão funcionando.

Passado aquele momento de irritação, de coice mesmo, hoje trabalham de maneira serena, tentando mudar estruturas.O caminho é o diálogo. A Igreja Católica tem uma longa tradição ocidentalista, europeísta e romana. Temos passado séculos distantes ou em briga com o mundo islâmico. Eu mesmo fui criado na cultura espanhola, entre adágios severos contra os árabes. Quem é o padroeiro da Espanha? Santiago ‘Matamoros’!

Não é só de atritos com o poder que trata o arquivo. Nesses anos todos, Pedro militou na poesia. Tem inúmeros livros publicados no País, outros tantos fora. Na Espanha, compilam-se seus diários e, em breve, ele lançará uma nova coletânea no Brasil, Versos Adversos.

Comecei a escrever poesia aos 11 anos e não parei mais. No fundo, todos somos poetas, mas alguns exercemos… Tenho poemas bem brasileiros. Por exemplo, ‘Cemitério de Sertão’. É o cemitério de Serra Nova, no Mato Grosso. Indo a cavalo, vejo na estrada três cruzes e flores de plástico. Aquilo me tocou. Tenho um livro de poemas breves, chamado Cantigas Menores, que foi feito só em viagens de ônibus. No ônibus, entrego a vida a Deus e ao motorista. Então aproveito para fazer poesia e cantar.Canto baixinho, mas canto.

Gosta é de brincar com palavras. Aprecia a precisão das frases de pára-choque de caminhão e as sacadas de certas propagandas. Seria publicitário se não fosse padre. Ante a incredulidade da jornalista, oferece um hai-kai, embalagem de suas convicções.

Tudo é relativo. Menos Deus e a fome!”

* Fonte: Publicado em O Estado de S. Paulo, Caderno Aliás, A Semana Revista, domingo, 15 de outubro de 2006, p. J8.

Desde quando furto de galinhas é crime?

Esta é muito legal e aconteceu em Minas Gerais. O Juiz Ronaldo Tovani, 31 anos, substituto da Comarca de Varginha, concedeu liberdade provisória a Alceu da Costa (vulgo "Rolinha"), preso em flagrante por ter furtado duas galinhas e ter perguntado ao delegado "desde quando furto é crime neste Brasil de bandidos?". O magistrado lavrou então sua sentença em versos.

Na íntegra, abaixo, a "sábia" decisão:

No dia cinco de outubro
Do ano ainda fluente
Em Carmo da Cachoeira
Terra de boa gente
Ocorreu um fato inédito
Que me deixou descontente.
O jovem Alceu da Costa
Conhecido por "Rolinha"
Aproveitando a madrugada
Resolveu sair da linha
Subtraindo de outrem
Duas saborosas galinhas.
Apanhando um saco plástico
Que ali mesmo encontrou
O agente muito esperto
Escondeu o que furtou
Deixando o local do crime
Da maneira como entrou.
O senhor Gabriel Osório
Homem de muito tato
Notando que havia sido
A vítima do grave ato
Procurou a autoridade
Para relatar-lhe o fato.
Ante a notícia do crime
A polícia diligente
Tomou as dores de Osório
E formou seu contingente
Um cabo e dois soldados
E quem sabe até um tenente.
Assim é que o aparato
Da Polícia Militar
Atendendo a ordem expressa
Do Delegado titular
Não pensou em outra coisa
Senão em capturar.
E depois de algum trabalho
O larápio foi encontrado
Num bar foi capturado
Não esboçou reação
Sendo conduzido então
À frente do Delegado.
Perguntado pelo furto
Que havia cometido
Respondeu Alceu da Costa
Bastante extrovertido
Desde quando furto é crime
Neste Brasil de bandidos?
Ante tão forte argumento
Calou-se o delegado
Mas por dever do seu cargo
O flagrante foi lavrado
Recolhendo à cadeia
Aquele pobre coitado.
E hoje passado um mês
De ocorrida a prisão
Chega-me às mãos o inquérito
Que me parte o coração
Solto ou deixo preso
Esse mísero ladrão?
Soltá-lo é decisão
Que a nossa lei refuta
Pois todos sabem que a lei
É prá pobre, preto e puta...
Por isso peço a Deus
Que norteie minha conduta.
É muito justa a lição
Do pai destas Alterosas.
Não deve ficar na prisão
Quem furtou duas penosas,
Se lá também não estão presos
Pessoas bem mais charmosas.
Afinal não é tão grave
Aquilo que Alceu fez
Pois nunca foi do governo
Nem seqüestrou o Martinez
E muito menos do gás
Participou alguma vez.
Desta forma é que concedo
A esse homem da simplória
Com base no CPP
Liberdade provisória
Para que volte para casa
E passe a viver na glória.
Se virar homem honesto
E sair dessa sua trilha
Permaneça em Cachoeira A
o lado de sua família
Devendo, se ao contrário,
Mudar-se para Brasília!!!

* Fonte: Usina de Letras (http://www.usinadeletras.com.br).

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Eleições 2008

Olá, amigo internauta.

Gostaria de lembrá-lo que 2008 é ano de eleição e que em breve serão escolhidos novos representantes para gerir a coisa pública em nossa cidade. Por acaso você já fez a sua escolha? Ainda não? Então, nada de pressa. Organize sua agenda e defina como será sua participação nestas eleições. Consulte seus amigos, forme grupos de discussão nas escolas, nas paróquias ou mesmo na internet – através de blog, msn e grupos de relacionamento. O eleitor atento não deixa escapar nenhum detalhe importante sobre os candidatos.

Cuidado com os programas de governo que serão apresentados este ano. Verifique se são os mesmos de anos anteriores. Verifique também como tem sido a atuação parlamentar dos vereadores. O que eles discutem? Quais promessas de campanha foram cumpridas? De que modo eles fiscalizam o Executivo? Examine suas escolhas, suas idéias, sua pauta de compromisso. Esses detalhes falam muito sobre eles.

Independentemente da fé que você professa, descubra se os candidatos se parecem com os mestres da Lei e os fariseus denunciados por Jesus: «sepulcros caiados», belos por fora, mas cheios de podridão por dentro (Mt 23,27-32). Embora a propaganda eleitoral só comece oficialmente em 6 de julho, nada impede que a pesquisa sobre a vida pregressa do político tenha início a partir de já, por iniciativa do próprio eleitor.

Voto é coisa séria e exige muita atenção. Uma escolha mal feita pode acarretar graves transtornos para a população: menos verbas para a saúde, educação, merenda, pavimentação de ruas, iluminação pública etc. Pode representar também aumento abusivo de impostos (ISS, IPTU), desperdício do dinheiro público, fraudes e muito mais. Com uma escolha errada, quem paga o preço é a democracia. Por isso, nada de agir com base na amizade, no “jeitinho” de sempre, na troca de favores. Denuncie abusos. Eleição requer responsabilidade acima de tudo.

Trabalhei como Escrivão Eleitoral (serventuário da Justiça designado pelo TRE de cada Estado, com o intuito de auxiliar os juízes eleitorais nas respectivas zonas) em eleições passadas e posso afirmar com segurança: é preciso muita vigilância para que a eleição seja disputada dentro de padrões mínimos de segurança e lisura.

Em outubro deste ano, completo 19 anos como eleitor. Faço parte da turma que, em 1989, votou pela primeira vez para Presidente da República, depois de 21 anos de ditadura militar. Lembro-me do orgulho dos jovens da época quando ouvíamos falar da luta dos estudantes em prol das Diretas Já: nós, estudantes, ao lado de outros setores sociais, havíamos conseguido vencer o terror e trazer de volta a esperança para o país. Hoje, sinto que é preciso reacender essa chama. A participação da juventude na vida política nacional sempre causou incômodo aos políticos mal intencionados. Eles sabem que na juventude há uma força capaz de revolucionar o mundo: a utopia.

Portanto, nada de passividade. É nossa obrigação lutar em prol de um projeto de cidade que proporcione bem estar e conforto para a população, sobretudo a mais carente.

* Alexandre José, agente da PASCOM de Santo Antonio.

Dicas:

1) Para vocês que acompanham nosso site e desejam saber mais sobre eleições, verifiquem o calendário completo das eleições deste ano, disponível na sessão “Formação”. Nele, há informações importantes de interesse dos eleitores.

2) Há também os Boletins do Projeto Eleições 2008, produzidos pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Arquidiocese de Belo Horizonte em parceria com o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião – PUC Minas, divulgados mensalmente em nosso site.
Boas Eleições.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Sobre pessoas e livros

Em minhas muitas “idas e vindas” pela internet, em busca de informações biográficas sobre santo Antonio de Pádua, descobri uma preciosidade (que nada tem a ver com objetivo inicial da pesquisa, advirta-se): o prefácio da 14ª edição do livro “Os Carbonários”, do político, jornalista e escritor Alfredo Hélio Sirkis. Quando li esse livro, em 1991, confesso, fiquei impressionado. Na época, eu tinha 19 anos e cursava o primeiro ano de Direito. Costumava varar as noites com os amigos discutindo sobre fé, política, livros - assuntos que, hoje, certamente, despertam o interesse de poucos jovens. Sentávamos na calçada e simplesmente esquecíamos que havia tempo, casa, família... namorada. - “Alô, Renata… É, tava estudando pra prova...” Os livros passavam de mão em mão, numa espécie de ciranda. Dentre eles, o de Alfredo Sirkis, Os Carbonários; As Veias Abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano; O Nome da Rosa, de Umberto Eco; Papillon, de Henri Charrière, Os Subterrâneos da Liberdade, de Jorge Amado, e outros, de tipos e gostos variados. “Esse autor aqui é demais”. “Lembra aquela passagem em que ele...” -“De novo esses livros... Filho, como vocês agüentam?”, dizia, com voz sonolenta, minha mãe, chamando-nos à realidade, de quando em vez, preocupada também com meus estudos. E tudo isso embalado ao som de Legião Urbana e Mercedes Souza (“Yo tengo tantos hermanos que no los puedo contar. Gente de mano caliente...”).

Minha paixão pela leitura mais que triplicou nesse tempo. Tempo de sonhos que ainda carrego. Brincávamos com as idéias, as palavras e os livros como quem brincava com as jóias de um tesouro raro recém descoberto na vasta ilha do conhecimento humano.

Reler o prefácio de “Os Carbonários”, dezessete anos depois de haver consumido avidamente o livro em três dias de leitura intensa e apaixonada, traz de volta sentimentos parecidos com aqueles experimentados pelo próprio Sirkis quando visitou, depois do exílio, no final da década de setenta, os locais onde os fatos narrados no livro aconteceram – as mesmas “cores, cheiros e sentimentos muito presentes, candentes”.

Tudo bem, quem sabe para vocês Os Carbonários seja só um livro, ou nem isso, e não existam cores, cheiros e sentimentos candentes associados à obra...

Mas, para os que curtem história, que adoram uma boa leitura, ou simplesmente para os curiosos, na esperança que se tornem futuros leitores, sugiro visitar a página de Alfredo Hélio Sirkis, na internet (http://sirkis2.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=3783463&canal=258&total=7&indice=0), e dar um lida no pós-prefácio da 14ª edição do seu livro, publicada em 1998. Vale a pena! Boa Leitura.

Terá sido coincidência?

Pode parecer delírio ideológico de um esquerdista de classe média - um Zé Mané do tipo “socialista teórico”, “progressista moderado”, “cristão liberal”, se é que é mesmo possível juntar tais realidades numa só criatura –, mas tenho cá com meus botões que o desligamento da Senadora Marina Silva do cargo de Ministra de Estado é uma resposta da petista à política ambígua do Governo Lula na área ambientalista.

Ora, algo não cheira bem na Amazônia e não é de hoje.

Em 2004, os moradores da aldeia Jauari, em Roraima, foram despertados por tiros, gritos, roncos de máquinas e tratores. Os invasores invadiram casas, mataram porcos, galinha e cães, depois marcharam para destruir as comunidades indígenas Brilho do Sol, Retiro São José e Homologação, no mesmo Estado, onde derrubaram 37 casas e incendiaram os escombros, não poupando sequer a igreja, a escola e o posto de saúde. Em seguida, isolaram as áreas e fecharam as estradas. 131 pessoas ficaram desabrigadas. Ninguém foi punido pelo episódio.

Em 2005, a freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, petencente às Irmãs de Nossa Senhora de Namur, congregação religiosa fundada por Santa Julie Billiart, foi assassinada a tiros, em Anapu (PA). O fazendeiro Vitalmiro Moura, acusado de ser o mandante do crime, acabou absolvido pelo Tribunal do Júri da cidade de Belém. Em nota, dom Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus (AM) e vice-presidente da CNBB, afirmou: “Estranhamos profundamente o veredicto do Tribunal e acreditamos que a sentença não está de acordo com o processo. Temos confiança na justiça, pois seria muito triste para o Brasil a continuação da impunidade”.

Em abril deste ano, a CNBB divulgou nota manifestando apoio aos bispos do Pará ameaçados de morte (dom Erwin Kräutler, dom Flávio Giovenale e dom José Luís Azcona Hermoso). “Apoiamos seu empenho na defesa do meio ambiente que a ganância devasta com nefastas conseqüências para a vida humana. Suas lutas são, portanto, as nossas lutas, seus sofrimentos são os nossos sofrimentos”.

Terá sido então um simples desalento pessoal ou as “forças ocultas” de sempre provocaram a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente?

Transcrevo alguns depoimentos sobre a ministra, à guisa de reflexão. Disse Rui Prado, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso: "Espero que o próximo ministro não seja tão radical quanto a Marina. Ela era uma barreira para o desenvolvimento econômico do Brasil." Na opinião do presidente da associação mato-grossense dos produtores de soja, Glauber Silveira, "Marina não estava preocupada com o desenvolvimento do país, não que a questão do meio ambiente não seja importante, é muito importante, mas ela nunca pensou no desenvolvimento sustentável, ela sempre pensou no 'não' desenvolvimento", afirma. Outro que se mostrou satisfeito com a saída de cena da ministra foi o ex-deputado Alberto Lupion. Segundo ele, "as propostas que apresentávamos, os problemas como área legal, ela fazia ouvidos moucos. Acredito que o bom senso agora deve prevalecer. O meio ambiente é uma ciência e não deve ser tratado ideologicamente. Ideologia é inimiga do meio ambiente", afirmou.

Há, porém, quem entenda que a demissão da ambientalista representa um desastre para o governo brasileiro. José Cardoso da Silva, vice-presidente para a América do Sul da ONG Conservação Internacional, assevera: “Se o governo tinha uma credibilidade mundial na questão ambiental era por causa da ministra Marina". "As forças mais destrutivas para a Amazônia exigiram a saída dela. O governo Lula deu o Plano Amazônia Sustentável (PAS) na mão do Mangabeira Unger. Isso obviamente foi uma tapa na cara da ministra", adverte Frank Guggenheim, diretor-executivo do Greenpeace. "Uma pessoa que tem o histórico da senadora Marina e que seja um referencial, inclusive lá fora, perante a comunidade ambientalista do mundo, acho muito difícil encontrar substituto à altura. Tomara que o governo não tenha feito a opção do desenvolvimento em detrimento do meio ambiente", pondera o senador Jefferson Peres, do PDT-AM.

Sinceramente, não acredito em acasos nessa história. Concordo com Frank Guggenheim, forças terríveis se ergueram contra Marina. A posição dela no Governo tornou-se insustentável. Penso que a corajosa seringueira - que um dia nutriu o sonho de ser freira, antes de se filiar ao PRC (Partido Revolucionário Comunista), na década de 70 - preferiu sair do Governo a ter que compactuar com o erro.

Como lembram Zé Geraldo e Renato Teixeira, na música galho seco, “quando tudo tá perdido na vida é que a gente descobre que na vida nunca tudo tá perdido”. Saídas honrosas existem e são sempre melhores que o silêncio obsequioso.

Sou, como disse no início, um “esquerdista de classe média”, mas tal não me impede de perceber as coisas como elas são. Parabéns, Marina!

Alexandre José

domingo, 25 de novembro de 2007

Casamento em centro espírita pode ter efeitos civis?

Casamento em centro espírita pode ter efeitos civis?

Embora o Brasil seja um país predominantemente católico (64% dos brasileiros, segundo dados do Datafolha, de 2007), gostaria de sugerir uma discussão interessante, em torno de um caso ocorrido em Salvador, envolvendo a temática do casamento e da liberdade religiosa.

O fato correu em 2005, com um casal que teve recusado seu requerimento para se proceder ao registro civil do casamento religioso de ambos, realizado no Centro Espírita Cavaleiros da Luz, em Salvador. O casal cumpriu todos os trâmites legais exigidos para a realização da cerimônia religiosa, porém o registro civil lhes foi negado, sob o argumento de não ter o ato sido celebrado perante autoridade ou ministro religioso, conforme determina a lei. O caso acabou na Justiça, que decidiu contra a pretensão do casal.

Para muitos, a decisão da Justiça feriu frontalmente os direitos e garantias fundamentais individuais assegurados na Constituição da República Federativa do Brasil e na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Para os que desaprovam a decisão judicial, não existe no ordenamento jurídico pátrio qualquer óbice a impedir a realização de casamento religioso espírita, sendo justo o pedido do casal no sentido de que seja autorizado o registro civil do seu matrimônio.

E vocês, o que acham? O casamento em centro espírita pode ter efeitos civis?

a) Sim, pois a negação de efeitos civis a casamento realizado em centro espírita violaria os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa, uma vez que o Brasil é um Estado laico e não poderia recusar efeitos civis a casamentos celebrados por líderes de qualquer religião ou crença (http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=666);

b) Não, o casamento realizado em centro espírita é ato inexistente, em virtude de inexistir tal rito na doutrina espírita (http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=655).